O coração do trabalho de Hart são contratos nos quais podem acontecer eventos não previstos. O dispositivo para resolução se baseia em determinar no contrato que vai tomar as decisões em caso de sinistro. Peguemos um exemplo: o caso do rompimento da barragem de Mariana, quando existiam duas empresas controlando uma terceira firma. Deveria haver no contrato qual empresa ficaria encarregada de tomar as medidas necessárias em caso de um desastre ambiental, o que pouparia um tempo precioso, uma vez que eliminaria a coordenação preliminar entre as empresas.

Há ainda uma outra importante característica do mundo real que afeta a qualidade dos contratos, que é o fato de o mundo ser por demais complexo para que todos possíveis desdobramentos de um contrato possam ser previstos. Isso levou a academia à modelagem dos “contratos incompletos” (incomplete contracts), que faz uso de sofisticado instrumental matemático para incorporar o fato de existirem situações imprevisíveis no momento em que se desenha um contrato. Oliver Hart é considerado um dos principais motores do desenvolvimento dessa área de pesquisa. A teoria chama a atenção, por um lado, para a necessidade de se prever quem terá o poder de decisão em uma disputa oriunda dessas situações imprevisíveis e, por outro lado, para a grande força que ganha o ente que resulta deter o poder de decisão nessas situações.

Uma aplicação dessa teoria diz respeito à estrutura ótima da firma. Uma estrutura verticalizada, em que a firma adquire firmas menores que eram suas fornecedoras, garante o direito de decisão para a firma adquirente, afirmando sua preponderância. Por outro lado, é possível que essa integração traga consigo problemas de incentivos inexistentes anteriormente, uma vez que antes da aquisição as duas firmas interagiam por meio do mercado, que criava incentivos para que a fornecedora buscasse a eficiência por conta própria. Uma vez adquirida pela firma maior, os proprietários da antiga fornecedora se tornam funcionários e, a menos que sejam criados novos esquemas de compensação adequados para contrabalançar a perda dos incentivos à eficiência que eram gerados pelo mercado, poderá haver redução de dedicação por parte dos novos funcionários.

Na ausência de um bom desenho de incentivos, a empresa caminharia para a ineficiência, reduzindo seus lucros. Com a aquisição do empreendimento, os antigos funcionários se tornaram donos do negócio e, portanto, beneficiários integrais de seus ganhos líquidos. Assim, aumentou sobremaneira o incentivo à eficiência, com a feliz consequência observada. Trata-se de um resultado clássico bastante conhecido e ensinado em Teoria dos Contratos: Se você quiser garantir um nível de esforço ótimo de seu Agente, venda a ele (os direitos sobre) o negócio por um preço fixo e deixe que ele escolha o nível de esforço. Como, uma vez feito o pagamento, todo o benefício passa a ser do Agente, este escolherá, naturalmente, o nível eficiente de esforço!

Trata-se também de uma estrutura amplamente estudada por Bengt/Holmström que se chama “parceria” (partnership) em que não existe um Superior e sim vários Agentes que geram um resultado conjunto por meio de seus esforços individuais. No caso dos estudantes, o esforço era participar religiosamente das reuniões de estudo e o resultado conjunto era o melhor preparo de todos os membros do grupo para o exame. Observa-se a mesma estrutura quando um grupo de alunos deve elaborar em conjunto um trabalho final de uma disciplina. Firmas com vários sócios, como é comum em pequenas empresas, especialmente no ramo de serviços, também apresentam estrutura semelhante. Holmström (1982)7 mostra claramente a impossibilidade de se chegar até mesmo ao “second-best” nessa estrutura, devido à ausência de um Superior. A explicação é simples, e está associada à dificuldade de se impor uma penalização quando a ação ótima (não observada) não for tomada por algum dos membros.

Bugarin (2015) mostra que, quando a parceria necessita de um investimento, então o provedor do recurso pode assinar um contrato que lhe dá o direito de propriedade sobre a produção da parceria, sendo que ele deverá redistribuir essa produção à parceria se esta gerar o resultado eficiente e, caso contrário, ficará com esse retorno para si. Dessa forma, o investidor se tornará um Superior para a parceria e se retornará à solução conhecida. No entanto, caso não exista necessidade de aporte de capital, essa solução não pode ser aplicada. No caso do grupo de estudo, claramente não havia um Superior. O grupo de alunos chegou a pensar em implementar o seguinte mecanismo: Toda semana cada membro do grupo depositaria um montante na conta deste professor, montante esse que seria devolvido caso todos estivessem presentes a todas as reuniões de estudo. Caso qualquer um dos membros faltasse, o professor doaria o recurso a terceiros. Dessa forma, este professor desempenharia o papel do Superior ou, na linguagem de Holmström (1982), o papel de um “budget-breaking Principal”.  Esse mecanismo, no entanto, se mostrou de difícil implantação e nem chegou a ser usado, conforme previa a teoria, pois não havia um Superior “natural”, como no caso do investidor

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Outro exemplo interessante é no caso de um empréstimo bancário a um empreendedor. A melhor forma para que ele pague é que o banco tenha certo poder dentro da empresa, e conforme o empréstimo vai sendo pago, o banco vai perdendo esse poder, ou seja, existe um incentivo para que o empreendedor utilize os recursos de forma eficiente e consiga gerar receita suficiente para ir honrando o seu contrato de empréstimo. O bom desenho de contratos, independente da área, gera incentivos corretos para as partes envolvidas, eliminando ineficiências que são geradas pela assimetria informacional e melhoram o ambiente de negócios, uma vez que a incerteza de se fazer negócios, pagar funcionários e até mesmo a eficácia do sistema de educação pública dependem de contratos bem feitos e devidamente executados.

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