democraciasNos últimos 15 anos, mais de 20% das democracias do mundo falharam, e as mais maduras “não estão em boas condições”, diz o analista norte-americano Larry Diamond, especialista em democracia da Universidade de Stanford, em um ensaio intitulado “Enfrentando a Recessão Democrática” na edição mais recente da “Journal of Democracy”: “Por volta de 2006, a expansão da liberdade e democracia no mundo chegou a uma parada prolongada. Desde 2006, não houve expansão líquida no número de democracias eleitorais, que tem oscilado entre 114 e 119 (cerca de 60% dos Estados do mundo). (…) O número tanto de democracias eleitorais quanto liberais começou a cair depois de 2006 e então estagnou. Desde 2006, o nível médio de liberdade no mundo também deteriorou ligeiramente”.

Desde 2000, acrescentou Diamond, “eu conto 25 quebras de democracia no mundo –não apenas por claros golpes militares ou executivos, mas também por meio de degradação sutil e incremental dos direitos e procedimentos democráticos. (…) Algumas dessas quebras ocorreram em democracias de baixa qualidade; mas em cada caso, um sistema de disputa eleitoral multipartidária razoavelmente livre e justa foi eliminado ou degradado a um ponto bem abaixo dos padrões mínimos da democracia”.

A Rússia de Vladimir Putin e a Turquia de Erdogan são exemplos dessa tendência, juntamente com a Venezuela, Tailândia, Botsuana, Bangladesh e Quênia. Na Turquia, escreve Diamond, o AKP tem estendido continuamente “o controle partidário sobre o Judiciário e a burocracia, prendendo jornalistas e intimidando os dissidentes na imprensa e na academia, ameaçando empresas com retaliação caso financiem partidos de oposição e usando prisões e processos em casos associados a supostos planos de golpe, para prender e remover da vida pública um número implausivelmente grande de supostos golpistas. Isso coincide com uma concentração impressionante e cada vez mais audaciosa de poder pessoal por (…) Erdogan”. O estado de direito na Turquia está sendo seriamente minado.

Mesmo que 40% da população do mundo viva em países com eleições livres, a democracia não parece mais a unanimidade de outrora. A primeira onda democratizante do século XIX legou ao mundo apenas uma democracia sólida, os EUA. A segunda começou com a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. De 1945 a 1962, o mundo pulou de 11 países democráticos para 36. A terceira onda, dos anos 1970 aos 1990, transformou em democracias dezenas de ex-colônias na África e na Ásia e sucedeu a autocracias na América Latina e nas ex-repúblicas da União Soviética. Com a crise financeira de 2008, veio o retrocesso. O declínio nos rendimentos, a desigualdade de renda e a alta taxa de desemprego levaram a uma erosão na confiança da população em governos e instituições. Na Europa, isso se manifestou sob a forma de protestos contra a austeridade fiscal e a ascensão de partidos nacionalistas radicais. Nos EUA, veio na forma de uma apatia crescente em relação à política. Sondagens recentes mostram que 76% dos americanos confiavam no governo em 1964. Em 2010, o índice caiu para 19%. No ano passado, a mais longa democracia do mundo paralisou seus serviços públicos por mais de duas semanas, incapaz de resolver um dilema orçamentário trivial.

Enquanto isso, o Freedom House, um grupo de monitoramento, apontou que, de 2006 a 2014, muito mais países pioraram em liberdade do que melhoraram. Essa tendência tem sido particularmente pronunciada na África sub-Saariana, incluindo a África do Sul, onde a redução da transparência, a queda do estado de direito e o aumento da corrupção estão se tornando a norma.

Por que essa tendência? Um motivo, diz Diamond, é que os autocratas de hoje aprendem e se adaptam rápido. Eles desenvolveram e compartilham “novas tecnologias de censura e estratégias legais para restringir grupos da sociedade civil e impedir assistência internacional a eles”, e nós não respondemos com nossas próprias estratégias. Além disso, os velhos hábitos de corrupção e abuso de poder se esconderam durante os anos 90 e 2000, quando a democracia pós-Guerra Fria estava em ascensão, “mas agora os autocratas corruptos sentiram que a pressão diminuiu e podem governar tão sórdida e gananciosamente quanto quiserem”.

Além disso, a China, que não tem padrões de democracia e nem se incomoda com a corrupção no exterior, tomou o lugar dos Estados Unidos como fornecedora de ajuda externa mais prezada em grande parte da África, enquanto a Rússia se tornou mais agressiva em minar virtualmente cada tendência democrática em suas fronteiras. Finalmente, pós-11 de setembro, nós permitimos que a “guerra ao terror” suplantasse a promoção da democracia como nossa maior prioridade política externa, de modo que qualquer autocrata que combatesse os terroristas ganhava dos Estados Unidos um cartão “saia livre da cadeia”.

Ao contrário do que se pensa, a perseguição religiosa não conduz ao crescimento numérico da igreja em várias regiões e países. O caso mais recente, é a redução percentual de cristãos em muitos países do Oriente Médio. A resistência dos cristãos e apoio externo podem criar bases para uma expansão quando cessar a perseguição. Em muitos casos, está ligada a recessão democrática com diminuição dos direitos civis ou conflitos internos violentos. Quando o Comunismo ruiu, as igrejas cristãs experimentaram uma nova onda de liberdade e renascimento em muitos países antes oprimidos.

Em nossa tese de doutorado sobre História do Cristianismo, propomos olhar as revoluções conflituosas como cessação das liberdades individuais em contraponto com os avivamentos genuínos que causaram um ambiente de negócios e prosperidade transformador ao longo da história da igreja cristã e suas relações com os Estados democráticos.

Mas, acrescenta Diamond, “talvez a dimensão mais preocupante da recessão democrática seja o declínio da eficácia, energia e autoconfiança democrática” nos Estados Unidos e no Ocidente em geral. Após anos de hiperpolarização, impasse e corrupção por meio do financiamento de campanha, a principal democracia do mundo está cada vez mais disfuncional, com fechamentos do governo e incapacidade de aprovar algo tão básico como um orçamento.

“O mundo vê tudo isso”, diz Diamond. “A mídia do Estado autoritário divulga alegremente esses problemas da democracia americana visando desacreditar a democracia em geral e imunizar o regime autoritário contra a pressão americana.”

Diamond insiste para que os democratas não percam a fé. A democracia, como notou Churchill, ainda é a pior forma de governo, salvo todas as demais. E ainda estimula a imaginação das pessoas como nenhum outro sistema. Mas isso só permanecerá verdadeiro se as grandes democracias mantiverem um modelo que valha a pena ser seguido. Quem dera isso não estivesse em questão hoje.

Um índice elaborado pela revista britânica The Economist mostra que menos da metade da população mundial vive em algum tipo de democracia. Apenas 11% (25 países) vivem numa “democracia completa”. O levantamento baseia-se em 60 indicadores, como processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura política. O índice mostra que a liberdade mundial caiu pelo oitavo ano consecutivo, por causa do crescimento do controle estatal, censura e formas de autoritarismo.

Os prognósticos para a democracia parecem sombrios, mas já houve momentos iguais. Em meados dos anos 1970, o crescimento mundial estava estagnado, e a inflação no Ocidente era vertiginosa. Em 1975, acadêmicos de Estados Unidos, Europa e Japão elaboraram um relatório intitulado A crise da democracia. Eles argumentavam que os governos democráticos do mundo industrializado haviam perdido a capacidade de funcionar. Uma década e meia depois, a União Soviética e o comunismo desmoronaram. O que aconteceu? A democracia liberal mostrou sua capacidade de superar dificuldades por meio de seu mais importante valor: o livre debate de ideias. As discussões políticas abertas e o livre-arbítrio, por meio do voto, permitiram que sociedades democráticas identificassem soluções para seus problemas e rejuvenescessem suas economias. No lado de lá da Cortina de Ferro, o autoritarismo comunista não dava espaço à busca de alternativas – e foi derrotado. Por mais fragilizada que possa estar, a democracia é o único regime livre o suficiente para se recuperar de crises de forma satisfatória e duradoura.