Por Lucy Kellaway
Valor Econômico – 04/02/13
Suponha que você descubra que esta coluna não foi escrita por mim. Suponha que foi feita por algum jovem escritor fantasma qualquer, a quem eu pagasse uma mixaria para trabalhar por mim. Você se importaria? O “Financial Times” se importaria? A resposta para as duas perguntas, provavelmente, é “sim”. Não faria muito sentido, no entanto, importar-se. Na verdade, a única resposta lógica, não sentimental, seria não se importar.
Há cerca de dez dias, veio à tona a história de um programador da Verizon que terceirizava seu trabalho com alguém na China para poder passar o tempo assistindo a vídeos de gatos. A Verizon se importou tanto, que fez algo bastante impulsivo: mandou-o embora. Assim como esse programador, a maioria de nós é empregada para fazer tarefas específicas. Caso sejam bem realizadas, devemos ser recompensados. Caso não sejam, devemos ser repreendidos. Somos responsáveis por nosso trabalho, não importa se somos nós que o fazemos ou não; de qualquer forma, o incentivo ao desempenho é o mesmo. O único risco de terceirizar nossos trabalhos por uma fração de nosso salário é que nosso empregador tome conhecimento e decida cortar o intermediário.
De outra forma, o arranjo tem muitos pontos a favor. Conseguir alguém para fazer seu trabalho é a base do capitalismo. É a graxa que faz as engrenagens das organizações rodarem com mais suavidade. Quanto maior sua hierarquia e mais bem pago você for, menos você acabará fazendo por conta própria: é o que se chama delegar. Você poderia dizer que meu caso é diferente, porque haveria uma trapaça envolvida.
Como minha foto estaria no topo da coluna, você seria levado a acreditar que estas são minhas palavras. Ainda assim, parece ser uma preocupação de ordem sentimental: certamente seria suficiente que eu concorde vagamente com os argumentos expressados e que as palavras sejam interessantes o suficiente para que você as queira ler.
Seja como for, pessoas de todos os tipos colocam seus nomes no trabalho de outros. Damien Hirst emprega cerca de cem artistas em sua fábrica e já se gabou de que gosta de se sentar e ficar vendo-os trabalhar. Ninguém espera que políticos escrevam seus próprios discursos. Sabemos que muitos acadêmicos fazem seus estudantes de doutorado realizarem pesquisas para eles. Estilistas geralmente não fazem as próprias roupas. Não é o Coronel Sanders (fundador da rede KFC) quem prepara o frango frito – embora isso seja, em parte, porque já morreu.
Há apenas uma área em que não é correto terceirizar. Nunca será aceitável que estudantes comprem ensaios na internet e os façam passar como seus. Mas isso é porque o aprendizado se trata do processo, em vez do resultado. Se você mexer com o processo, isso é trapacear.
Por outro lado, o sujeito da Verizon não estava realmente trapaceando ou fazendo algo incomum. Esse tipo de terceirização é cada vez mais generalizada, revela-se muito fácil e barata e não exige nem mesmo ir à China. Há algumas semanas, dei de cara com o TaskRabbit, um site americano no qual você pode terceirizar qualquer coisa em sua vida profissional ou pessoal que não queira fazer – desde levar o cachorro para passear até ler Bulgakov para seu grupo de leitura. Navegando pela lista de tarefas que foram recentemente repassadas para outros, encontrei um jornalista que pagou cerca US$ 50 para alguém reescrever um artigo de sete formas diferentes, para poder vendê-lo a sete revistas diferentes. Estou deslumbrada com o espírito empreendedor.
Também há um mercado ativo para a terceirização de apresentações e trabalhos em PowerPoint – o que faz sentido, tendo em vista como é cansativo escrevê-las e como parece custar tão pouco conseguir alguém que o faça por você. Discursos de venda e mesmo estratégias empresariais estão sendo escritas na TaskRabbits. Um gerente recentemente pagou meros US$ 200 para ter o plano de negócios de toda a empresa reescrito – e se declarou mais do que satisfeito com o resultado.
E você não pode apenas terceirizar o trabalho, você pode também, para começo de conversa, terceirizar a própria tarefa de encontrá-lo. Um estudante de pós-doutorado encarregou alguém para esquadrinhar sites em busca de cargos especializados e está pagando US$ 20 por carta de apresentação que a pessoa envia. A única coisa que não pode ser terceirizada é a entrevista e a apresentação pessoal. Mas se todo seu trabalho estiver sendo feito por outras pessoas, você terá tempo de sobra para se inteirar de tudo o que precisa saber e praticar até a perfeição.
Embora eu aprecie os muitos encantos de terceirizar meu trabalho, não estou muito disposta a experimentar. O principal problema é que meu ego não é forte o suficiente para lidar com alguém que seja melhor em “ser eu mesma” do que eu. De qualquer forma, gosto do que faço e o modelo de terceirização não serve para os poucos felizardos no planeta que gostam mais de trabalhar do que de assistir a vídeos de gatos.
Lucy Kellaway é colunista do “Financial Times”. Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira