No meu livro Missão da Igreja: dimensões e efeitos abordo o jeitinho brasileiro destacando que no estabelecimento de estratégias para esse confronto do evangelho com a cultura, Stephen C. Neill propõe um modelo hierárquico de ação em três níveis sobre a penetração do evangelho na cultura:

  • Para ele, há, em primeiro lugar, alguns costumes que não podem ser tolerados, tais como a idolatria, infanticídio, canibalismo, vingança, mutilação física, prostituição ritual, etc. Entre os quais situamos o ‘jeitinho brasileiro’.
  • Em segundo lugar, há alguns costumes que podiam ser temporariamente tolerados, tais como a escravidão, o sistema de castas, o sistema tribal, a poligamia, etc.
  • E, em terceiro lugar, há alguns costumes cujas objeções não são relevantes para o evangelho, tais como o homem e a mulher sentarem-se separados nos cultos, costumes alimentares, vestimenta, hábitos de higiene pessoal, etc.

O Congresso de Lausanne I, através do Relatório Willowbank, de 1978, adota essa abordagem de Neill, acrescentando uma categoria entre a segunda e a terceira, tratando de assuntos onde há controvérsia entre as igrejas, tal como a questão da consanguinidade.

Uma situação cultural concreta em nosso ambiente brasileiro é a do jeito ou jeitinho que tem trazido grandes dificuldades na concretização do evangelho do dia-a-dia. Padilha lembra-nos de que o jeitinho representa a formalização de todas as características básicas atribuídas ao homem brasileiro. Ele afirma que o jeitinho é a palavra chave, o “abre-te-Sésamo” para todas as situações difíceis.

O livro A Cabeça do Brasileiro (Ed. Record), do sociólogo Alberto Carlos Almeida há uma pergunta que trata o tema:

“Como considerar a atitude do funcionário público que ajuda uma empresa a ganhar um contrato no governo e depois recebe dela um presente de Natal?”.

Para 80% dos que não sabem ler ou escrever, isso é apenas um “favor” ou um “jeitinho”. Para 72% dos que concluíram a universidade, é corrupção e ponto final. Entre os analfabetos 40% acham que uma pessoa eleita para um cargo público deve usá-lo em benefício próprio. Dos que atravessaram todo o ensino superior, somente 3% pensam assim.

Cerca de 53% dos eleitores sem instrução são de opinião de que um político que faz muito e rouba um pouco merece voto. Já o percentual dos que concordam com essa atitude, e que cursaram até a 4ª série do ensino fundamental, é um pouco menor, de 46%. 46% entre os eleitores com escolarização entre a 5 ª e a 8 ª séries também dariam seus votos para esse tipo de político. Os que cursaram o 2º grau compõem um grupo que começa a ficar menor nessa pesquisa: eles são 38%. Um total de 25% das pessoas com curso superior afirma que votaria num político corrupto.

O resultado da pesquisa induz à conclusão de que a formação superior estancaria a corrupção. Mas pode ser que o motivo seja basicamente outro: a renda pessoal. No nosso país, a diferença de renda é muito grande. Nós conhecemos a indústria eleitoral que se movimenta ao arregimentar desempregados, desocupados e pessoas com má formação profissional. Uma pessoa com princípios bíblicos, com suficiente renda pessoal (próspero) e bem-sucedida na vida terá fundamento e condições para firmar-se contra a corrupção e seus contornos.

Pesquisa divulgada pela faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (Direito-FGV) mostra que 82% dos brasileiros reconhecem que é fácil desobedecer às leis no Brasil e que 79% acreditam que, sempre que podem, as pessoas apelam para o “jeitinho” para evitar cumprir as normas legais. Além disso, 54% acham que existem poucas razões para obedecer às leis no país.

— As pessoas não têm a sensação de que é importante, para a coletividade, obedecer a lei. Mais de 50% das pessoas dizem que não têm razão para obedecer a lei e mais de 70% dizem o brasileiro sempre opta pelo jeitinho. As pessoas acham que cumprir a lei não vale a pena, não percebem que é importante obedecer as leis, independentemente de seu ganho individual e imediato. Elas não encontram razões e acham que em geral os outros não obedecem — disse Luciana Gross Cunha, coordenadora da pesquisa.

O levantamento mostrou também que os brasileiros dão menos importância às ordens de policiais que a de juízes. Enquanto 81% entendem que devem obedecer decisões judiciais que determinem pagamento a alguém, apenas 41% acreditam que devem obedecer uma ordem de um policial, mesmo que discordem dela.

O coordenador da Direito-FGV, professor Oscar Vilhena Vieira, disse que é muito preocupante o fato de a população não confiar na polícia, que é a autoridade que está diretamente ligada ao cumprimento das normas legais.

— Um dos instrumentos de eficiência policial é a confiança. Quando o cidadão confia na polícia, ele leva informações que permitem que a polícia previna e busque a punição — afirmou Vieira.

Os responsáveis pela pesquisa relataram que os dados sobre obediência à norma que criminaliza a compra de produtos piratas chamaram a atenção. Apenas 54% dos entrevistados responderam que é provável ou muito provável que a compra de um CD ou DVD falso resultará em punição e só 64% acham que se fizessem isso seriam reprovados moralmente por amigos e familiares. E 91% das pessoas que responderam à pesquisa disseram ter comprado CD ou DVD pirata nos últimos 12 meses.

O levantamento foi realizado por meio de questionários com 3.300 pessoas maiores de 18 anos de oito estados do Brasil, entre outubro de 2012 e março de 2013. O Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCLBrasil), que mede como as pessoas se comportam em relação ao cumprimento da lei e como elas enxergam a possibilidade de punição e adequação moral no caso de descumprimento, foi de 7,3 numa escala de zero a 10 (sendo 10 um total comprometimento com o cumprimento da lei). A pesquisa continuará sendo realizada nos próximos meses, para que seja possível comparar as taxas ao longo do tempo.

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