O culto a entidade chamada s. Jorge vem ganhando apoio religioso e político no Rio de Janeiro, tornando o dia 23 de abril feriado municipal desde 13/11/2001. Em 19/02/2008 a Assembléia Legislativa Estadual aprovou o projeto de lei, de autoria do deputado Jorge Babu (ex-PT), assinado pelo governador Sergio Cabral em 6/03/2008, instituindo a data como feriado estadual. A alegação para aprovação da lei foi que a entidade e padroeiro dos bombeiros e policiais do estado do Rio de Janeiro.
A Wikipedia destaca que o dia de s. Jorge e celebrado por algumas nações como Inglaterra, Portugal, Geórgia, Servia, Bulgária, Bósnia e Herzegovina, Macedônia e Gora. Na Catalunha, região da Espanha, é tradição oferecer uma rosa e presentear com um livro. A tradição influenciou a UNESCO declarar o dia 23 de abriel como o dia internacional do livro uma vez que foi a data de falecimento dos escritores William Shakespeare e Miguel de Cervantes. Falando de literatura, no livro Drácula de Bram Stoker, diz-se que coisas mas ocorrem no dia de s. Jorge, ao iniciar a meia-noite.
CORPUS CHRISTI
• O nome vem do latim e significa Corpo de Cristo. A festa de Corpus Christi tem por objetivo celebrar solenemente o mistério da Eucaristia – o sacramento do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo. Acontece numa quinta-feira, em alusão à Quinta-feira Santa, quando se deu a instituição deste sacramento.
o A celebração teve origem em 1243, em Liège, na Bélgica, no século XIII, quando a freira Juliana de Cornillon teria tido visões de Cristo demonstrando-lhe desejo de que o mistério da Eucaristia fosse celebrado com destaque. Em 1264, o papa Urbano IV através da Bula Papal estendeu a festa para toda a Igreja, pedindo a Santo Tomás de Aquino que preparasse as leituras e textos litúrgicos que, até hoje, são usados durante a celebração.
o O Concílio de Trento (1545-1563) por causa dos protestantes, da Reforma de Lutero, dos que negavam a presença real de Cristo na Eucaristia, fortaleceu o decreto da instituição da Festa de Corpus Christi, obrigando o clero a realizar a Procissão Eucarística pelas ruas da cidade, como ação de graças pelo dom supremo da Eucaristia e como manifestação pública da fé na presença real de Cristo na Eucaristia.
SÃO JORGE
• Apesar de ter sido oficializado pela Igreja em 1264, o Corpus Christi já era tradicional em Portugal desde o século XII, poucos anos da fundação do reino, em 1139. O costume ficou ainda mais forte depois que D. João I, fundador da dinastia de Avis, consagrou São Jorge como patrono do reino. Até então o posto era ocupado por São Tiago, que era invocado já pelo fundador de Portugal, Afonso Henriques. Mas, como São Tiago também era o patrono de Castela, que tentara anexar a Portugal, D. João I, que reinou entre 1385 a 1433, instituiu outro santo. Desde então, a imagem de São Jorge passava a abrir o cortejo de Corpus Christi, ritual que foi seguido no Brasil, mas perdeu-se com o tempo, a tradição não foi mantida.
o Honrado com uma igreja em Lisboa por Afonso Henriques ( 1109-1185), fundador do reino, São Jorge recebeu como herança o cavalo de seu sucessor, Sancho I, e passou a ser evocado como grito de guerra por Afonso IV ( 1291-1279). Caracterizada como uma veneração pessoal durante a dinastia de Borgonha, a primeira de Portugal, a devoção a São Jorge assumiu outra dimensão com a ascensão dos Avis. O santo tornou-se uma espécie de divindade epônima da nação.
o A devoção dinástica ao padroeiro manteve-se nas gerações seguintes. Quando Portugal lançou-se sobre o Atlântico, São Jorge ligou-se à toponímia dos territórios anexados. O Infante D. Henrique atribuiu a uma das ilhas dos Açores o nome do mártir. D. João II, ao edificar uma fortaleza na Costa da Guiné, chamou-a de São Jorge da Mina. Em 1556, no reinado de D. João III, fundou-se na Capitania de Ihéus, por ordem do bispo Dom Pero Fernandes Sardinha, a freguesia de São Jorge dos Ilhéus, na costa brasileira.
o A introdução do santo na procissão do Corpo de Deus, ainda em 1387, a grande responsável pela transformação do mártir numa entidade popular. A presença de São Jorge no cortejo de Corpus Christi simbolizava a fundação da dinastia dos Descobrimentos e imprimia no evento um caráter cívico que se transformou em tradição. Atrás do santo, os irmãos de Jorge faziam valer, pela antigüidade, a máxima que garantia sua precedência sobre as demais confrarias lisboetas.
o Os irmãos de São Jorge integravam a segunda maior corporação de ofícios da capital lusa. Restrito aos menores de quarenta anos, limitado àqueles cujo sangue desconhecia qualquer vestígio de “raça infecta”, portanto, que não contavam entre seus ancestrais com mouros, judeus ou negros, o ingresso na irmandade de São Jorge era uma conquista. A iniciativa de adotar o procedimento inquisitoral para admissão dos postulantes à irmandade de São Jorge foi obra dos líderes da irmandade e da corporação: os barbeiros de barbear e sangrar. Primitivos detentores do estandarte e os primeiros a converterem suas faltas em cera para São Jorge em seus próprios regulamentos, os barbeiros sangradores foram, de fato, os principais responsáveis pela manutenção da devoção ao padroeiro além do paço.´
TRADIÇÕES DE CORPUS CHRISTI
• Dado curioso a salientar é o da tentação de realização de atentados contra as figuras régias, durante a procissão do “Corpus Christi”. Um deles, contra a pessoa de D. João IV. Sobrevivendo o monarca ao acto, a sua esposa (D. Luísa de Gusmão) promoveu a construção do Convento dos Carmelitas, na Baixa Lisboeta. Edificado no exacto lugar do falhado crime, foi chamado do “Corpus Christi”. Outro atentado famoso deu-se contra D. Manuel II, perto da Igreja da Vitória, quando a procissão passava na rua do Ouro.
• A tradição de fazer o tapete com folhas e flores vem dos imigrantes açorianos. Essa tradição praticamente desapareceu em Portugal continental, onde teve origem, mas foi mantida nos Açores e nos lugares onde chegaram seus imigrantes.
• A festa foi trazida para o Brasil pelos portugueses. No Brasil, numa carta de 9 de agosto de 1549, o Padre Manuel da Nóbrega, da Bahia, informava: “Outra procissão se fez dia de Corpus Christi, mui solene, em que jogou toda a artilharia, que estava na cerca, as ruas muito enramadas, houve danças e invenções à maneira de Portugal”. (Cartas do Brasil, 86, Rio de Janeiro, 1931).
• Os reis portugueses receberam do papa o título de “Grãos-Mestres da Ordem de Cristo”. A Coroa Portuguesa, por sua vez, determinava que o Senado da Câmara e as Câmaras Municipais nas colônias realizassem as várias festas reais, como as dos santos padroeiros do Reino Português.
• Quando se aproximava o dia da Procissão de Corpus Christi, a Câmara expedia editais para a população preparar as suas casas e testadas, como se lê no termo de acórdão de 26 de junho de 1754:“Acordaram que se passasse Edital para o Porteiro publicar, pelas Ruas públicas por onde passa a Procissão de Corpus Christi, para que no dia primeiro de Junho que vem todas as testadas de suas Casas, Ruas estejam compostas varridas e armações em janelas e portas como no País se costuma, com pena de que assim não o fazendo pagarem quatro oitavas para as despesas do Conselho e dez dias de cadeia.”
• No século XVIII, a Câmara comparecia com todos os componentes, seguindo os costumes portugueses. O estandarte real, era honra conferida apenas a alguém da governança da Vila, que já tivesse sido oficial da Câmara.Um dos componentes mais notáveis da procissão de Corpus Christi, nas principais vilas, era a estátua cavaleira de São Jorge. Os membros da elite da Vila compareciam agrupados em um piquete de cavalaria, armados com seus mosquetões, que eram disparados como fogos, na chegada da procissão à Igreja.
• No Brasil, a data teve aspecto político. No feriado de Corpus Christi de 1808, moradores da Capital de São Paulo foram recrutados à força para invadir o Uruguai. O governador e capitão general de São Paulo, Antônio José de Franca e Horta, foi incumbido da missão. Resolveu assim, fazer o recrutamento compulsório nas comemorações do Corpus Christi, que atraíam moradores de toda a Capitania. Para garantir ainda um fluxo maior de fiéis, Franco e Horta resolveu organizar a mais deslumbrante festa de que se tinha notícia em São Paulo. Terminada a procissão pelas ruas enfeitadas, as autoridades convidaram a população para dar seqüência aos festejos no Pátio do Colégio. De repente, surgiram tropas da Infantaria fechando os becos que conduziam à praça, bloqueando saídas, recrutando à força elementos para a guerra. Entre 1825 e 1828, quando os uruguaios travaram a guerra de sua independência, soldados brasileiros foram convocados para lutar contra as tropas do general Artigas. A campanha militar não era vista com bons olhos pela população brasileira, o que contribuiu para a renúncia de D. Pedro I, o fundador do império, em 7 de abril de 1831. Três anos antes, em 1828, o Uruguai havia conquistado a independência.
TRADIÇÕES DE SÃO JORGE
• No Rio de Janeiro a imagem possuiu capelinha na rua São Jorge. A Irmandade, em 1854, agregou-se à confraria de São Gonçalo Garcia. A imagem que recebia as continências de todas as forças militares salvas de artilharia e era acompanhada pelo “Casaca de Ferro” vestido de folhas-de-flandres, imitando um guerreiro medieval, está recolhida à igreja de São Gonçalo Garcia, na praça da República. Na cidade de Salvador, São Jorge saiu até 1865, com séquito e o “Homem de Ferro”. Em São Paulo veio até 1872, quando, desequilibrando-se, a imagem caiu sobre um soldado, matando-o. Está guardada no Museu da Cúria Metropolitana
• São Bartolomeu, São Jorge, São Roque e São Lázaro são exemplos de imagens que, em suas figurações, são associadas a demônios e a cachorros, respectivamente, gerando uma dupla devoção – em uma dialética entre negação-afirmação, ou em uma dupla afirmação. Se essa dupla devoção não foi aceita pela estrutura eclesiástica do catolicismo, por outro lado, essa mesma duplicidade foi incorporada posteriormente pelos cultos sincréticos de origem afro, como na umbanda brasileira.
BIBLIOGRAFIA
À Sombra da Inquisição: a trajetória do culto a São Jorge na Lisboa do Antigo Regime
Georgina Silva dos Santos
professora do Departamento de História da UFF e pesquisadora da Companhia das Índias
Dicionário do folclore brasileiro
CASCUDO, Luís da Câmara
O Corpo de Deus na América; a festa de Corpus Christi nas cidades da América portuguesa –
século XVIII
Beatriz Catão dos Santos
A festa de Corpus Christi e a irmandade de são Jorge no século XVIII
Beatriz Catão dos Santos
Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente, desenvolve a pesquisa “Cantos comuns: ofícios, irmandades e vilancicos no Rio de Janeiro do século XVIII” com apoio da Fundação Biblioteca Nacional.
Anuário do Museu da Inconfidência.
LOPES, Antônio Francisco. Câmara e Cadeia de Vila Rica. 1952
Imagens e Devoções no Catolicismo Brasileiro
José Rogério Lopes*
Revista de Estudos da Religião Nº 3 / 2003 / pp. 1-29