Três em cada dez brasileiros adultos entre 18 e 64 anos possuem uma empresa ou estão envolvidos com a criação de um negócio próprio. Em dez anos, a taxa total de empreendedorismo no Brasil aumentou de 23%, em 2004, para 34,5% no ano passado. Metade desses empreendedores abriu seus negócios há menos de três anos e meio.
No início de outubro, em um evento sobre saúde, a pesquisadora e empreendedora Juliana Cancino, que estuda a utilização de robôs em miniatura para a prevenção de doenças na USP, foi apresentada a Fernando Narvaez, diretor para a América Latina da Siemens Healthineers, braço da gigante alemã Siemens para a fabricação equipamentos médicos. Eles dividiram uma mesa onde se debatia as máquinas do futuro para hospitais e, entre observações sobre o mercado, se surpreenderam com o fato de que ainda não se conheciam, apesar das coincidências envolvendo a área de trabalho e, naturalmente, a nacionalidade brasileira. “Nossa empresa não tem um departamento de inovação aqui”, justificou o executivo Narvaez. “A academia, os empreendedores e as empresas, infelizmente, não se comunicam”, disparou Juliana.
A situação ilustra e dá projeção ao abismo que separa dois dos principais agentes financiadores de inovação – as grandes corporações e as instituições de ensino – dos empreendedores de startup, aqueles que efetivamente pilotam os riscos dos negócios tecnológicos e disruptivos que hoje transformam o mundo, exatamente como faz a especialista Juliana com seus nanorobôs.
Na opinião de especialistas no assunto, empresários e executivos de grandes empresas, a raiz do problema está na formação do ecossistema local. De uma forma geral, eles apontam que a união do mercado pela inovação é deficitária pelo simples fato de que, no Brasil, a inovação ainda integra uma economia limitada.
Um exemplo disso é uma pesquisa feita recentemente pelo Instituto Data Popular, encomendada pelo Sebrae e pela Endeavor, com 2.230 alunos e 680 professores de mais de 70 instituições de ensino. Intitulado “Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras”. O estudo, dentre outros pontos, afirma que a originalidade não é mesmo o forte da economia nacional. De cada dez universitários donos de empresas entrevistados, sete afirmaram que seus produtos ou serviços criados já existem no mercado nacional. O número é praticamente o mesmo da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2015, pesquisa financiada no Brasil pelo Sebrae, e que destaca que apenas 28% dos empresários brasileiros apostam em inovação.
“Essa carência de inovação é a proxy de uma economia muito fechada, que se expõe muito pouco ao mundo”, avalia Juliano Seabra, presidente da Endeavor. “Aqui, apenas poucas empresas são realmente internacionalizadas. Na verdade, temos um sistema educacional que não forma para o mercado. Basta ver que são muito poucos os casos concretos e bonitos de empresas que nasceram em algum momento da universidade para se tornarem em um negócio relevante”, diz.
De fato, os exemplos cobrados por Juliano Seabra são raros e, mesmo entre eles, como é o caso de Raphael Naswaty, que criou um site de comparação de preços como um projeto de conclusão de curso da universidade, há críticas ao papel da academia. “As habilidades para fazer o meu negócio eu tive que buscar fora da universidade”, diz ele, referindo-se às dificuldades encontradas na gestão e na prototipagem de sua startup. Guilherme Pereira, fundador da Spectra, um sistema de softwares para o agronegócio, outro que desenhou a empresa no banco da universidade, concorda. “Temos problema da cultura e mentalidade de pesquisadores. Falta uma relação baseada em confiança entre universidades e empresas”, diz.
Os dados são da nova pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), feita no Brasil pelo Sebrae e pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP). O levantamento mundial sobre o empreendedorismo é fruto da parceria entre a London Business School e o Babson College.
Para o presidente do Sebrae, Luiz Barretto, o recorde de empreendedores no Brasil é consequência do aumento do número de formalizações nos últimos anos e da melhoria do ambiente legal, com a criação e ampliação do Supersimples – regime simplificado de cobrança de tributos para empresas com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões.
Por esse regime, pequenas e médias empresas têm a cobrança de oito impostos federais, estaduais e municipais reunida num só boleto. Para a maioria dos casos, a carga de impostos é 40% menor do que no regime tributário convencional.
Ainda de acordo com a pesquisa, ter o próprio negócio é o terceiro maior sonho do brasileiro, atrás de comprar a casa própria e viajar pelo país. O número de pessoas que almejam se tornar o seu próprio chefe é de 31%, praticamente o dobro das que desejam fazer carreira numa empresa (16%).
A pesquisa ainda revela que, de cada 100 brasileiros que começam um negócio próprio, 71 são motivados por uma oportunidade de negócio e não pela necessidade. Barretto diz que esse índice, que implica diretamente a qualidade do empreendedorismo, vem se mantendo estável nos últimos anos.