Vladimir Safatle, publicou um questionamento sobre a ‘onda conservadora’ em 25/12 da Folha de São Paulo. Ele comenta:

O Brasil sempre foi um país com uma grande parcela de sua população claramente identificada ao pensamento conservador. Se necessário, tal população ia às ruas e mobilizava milhares de pessoas em nome de Deus, da família e da propriedade. Eles votaram em Jânio Quadros mais de uma vez, em Paulo Maluf, afirmaram que, se Collor perdesse a eleição, o apartamento que você tem seria dividido no melhor estilo Dr. Jivago. Décadas atrás, livros de Paulo Francis, Roberto Campos e José Guilherme Merquior inundavam livrarias. Contrariamente ao que acreditam alguns, seus argumentos eram, muitas vezes, tão rasteiros e caninos quanto os que ouvimos atualmente. Nada disto mudou muito, só perdeu seu contraponto.

Diria que o que mudou foi a necessidade atual de uma narrativa que justifique nossa paralisia. A ideia de uma “onda conservadora” é boa para alguns porque ela nos faz agir a partir do medo do que pode vir. Quem tem medo não discute muito, simplesmente aferra-se à situação atual, por mais que ela seja ruim. Assim, a hipótese da onda conservadora nos reconcilia com nossa própria paralisia e incapacidade de criar alternativas, de discutir novos modelos de organização política e fazer a autocrítica honesta de nossos erros e dos modelos que foram implementados na última década. O chamado “campo das esquerdas” está preso atualmente entre a defesa de cadáveres e a fragmentação impressionante de seu discurso devido ao desinteresse em construir uma perspectiva de implicação geral.

conservative x liberal

A atriz Marieta Severo, recentemente fez coro com Fernanda Montenegro contra a onda conservadora no Brasil: “Sou completamente contra a redução da maioridade penal e contra muita coisa que está em evidência e que, para a minha geração, é chocante. Há um retrocesso que nunca imaginei. Eu sou da década de 1960, do feminismo, da liberdade sexual, das igualdades todas. Quando volta esse moralismo, e esse mundo religioso começa a ditar as regras, é muito assustador”.

Marieta disse que, embora respeite todas as crenças religiosas, não quer uma religião legislando a vida das pessoas. Ela também cobrou a descriminalização do aborto, um dos temas que enfrentam maior resistência por parte de lideranças religiosas no Congresso. “Há espaços da mulher que foram conquistados e são sólidos. Mas há outros em que a gente não consegue ir adiante, como o aborto, que é um direito. E por quê? Por causa desse conservadorismo religioso com representação política. Não tenho nada contra religião. Sou a favor de todas, mas não exerço nenhuma. Só não quero uma religião legislando a minha vida.”

O campo das ideias é vasto e complexo. Especialmente quando aplicado ao campo das estruturas sociais e suas manifestações. A relação religião e atitudes conservadoras foi bastante estudada na História. Por vezes, fortaleceu a noção de família para atravessar períodos de fome, epidemias ou guerras. Em outras ocasiões, se tornou uma ferramenta para impedir a inovação tecnológica e social.

Líderes serão sempre convidados a fluir entre os princípios do Reino de Deus e os prazeres da corrupção humana. Muitas nações liberais estão surfando hoje sobre uma base de princípios estabelecidos e testados pela aplicação da Palavra de Deus. A barulhenta Europa é um exemplo clássico.

Felizmente, a Europa não está no centro do mundo e outros povos merecem nossa atenção por aspectos culturais relevantes. Por exemplo, os latinos com cooperação e hospitalidade. Os africanos com determinação e espontaneidade. Os asiáticos com discplina e honra.

Um levantamento realizado em 21 países constatou que o Brasil possui a terceira população jovem mais religiosa do mundo. Segundo pesquisa do instituto alemão Bertelsmann Stiftung, 65% dos jovens brasileiros são considerados “profundamente religiosos”. Empatado com a Indonésia e o Marrocos –países de maioria muçulmana–, o Brasil fica atrás apenas da Nigéria e da Guatemala, primeiro e segundo lugar, respectivamente. Um total de 21 mil jovens entre 18 a 29 anos participaram da pesquisa alemã. No Brasil, 65% dos jovens se declaram profundamente religiosos, 30% se dizem religiosos e 4% afirmam não ter religião. Apesar de 74% dos brasileiros declararem que rezam diariamente, somente 35% disseram viver de acordo com os preceitos religiosos.

“A pesquisa mostra que só um terço dos jovens (brasileiros) se dizem convencidos de que devem seguir os mandamentos de sua religião, ou que estão dispostos a obedecer os mandamentos religiosos”, afirmou o sociólogo Flávio Pierucci à Folha Online. “Primeiramente, é um traço muito moderno da juventude brasileira, que mostra ser mais moderna do que parece”, disse ele, professor titular de sociologia da FFLCH (Ciências Sociais) da USP.

No ranking criado pelo instituto alemão, a Rússia aparece como o país onde os jovens são os menos religiosos. Segundo o levantamento, apenas em Israel a juventude é mais religiosa que a população adulta. De acordo com Matthias Jäger, responsável pelo projeto “O Papel da Religião na Sociedade Moderna”, do instituto alemão, a pesquisa “desfaz a noção de que decrescentes níveis de religiosidade são inversamente proporcionais ao progresso econômico, social e cultural”.

Para o pesquisador, a principal conclusão da pesquisa é a de que “a religião desempenha um papel muito mais importante internacionalmente do que geralmente se assume de uma perspectiva ocidental e européia”. “A Europa é a exceção à regra”, afirmou o pesquisador.