Fernando Schuler em artigo Existe mesmo uma onda conservadora?, publicado na revista ÉPOCA, expõe sua opinião sobre as recentes mudanças no perfil político dos brasileiros. Ele comenta:
Em seu ensaio Cultura e política, 19641969, escrito no final dos anos 1960, Roberto Schwarz observa o fenômeno e tenta algumas explicações. Em pleno regime militar, escreve, “há relativa hegemonia cultural da esquerda. Pode ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio de Janeiro, cheias de marxismo, nas estreias teatrais… na movimentação estudantil ou nas proclamações do clero avançado”. E conclui: “Nos santuários da cultura burguesa, a esquerda dá o tom”.
No país que emerge do regime autoritário, nos anos 1980, a hegemonia intelectual dessa mesma esquerda é brutal. O mestre Antônio Candido, em seu Direito à literatura, de 1988, registra o fenômeno, observando ser raro, naqueles anos, encontrar algum político ou empresário que arriscasse se definir como conservador. E arremata: são todos “invariavelmente de centro, até de centro-esquerda, inclusive os francamente reacionários”.
A hegemonia intelectual da esquerda dependia de seu controle sobre instituições. Universidades, escolas, instituições culturais. Sobre órgãos da igreja, redação de jornais e diretórios estudantis. E, por óbvio, sua eficiência brutalmente maior na ação partidária. A internet explodiu esse mundo relativamente fechado, em que era possível sustentar uma hegemonia cultural pelo controle de posições institucionais.
Certa vez brinquei com meus colegas de trabalho dizendo que quando mais velho fico, mais de direita me sinto. Acho que queria dizer conservador. Parece que a confusão reside exatamente neste ponto ou nesta extensa área. Eu percebi que tenho opiniões de envolvimento social e ambiental mas rejeito a intervenção estatal e sindical das últimas décadas.
Tenho notado que muitos sociólogos e analistas políticos buscam manter as recentes pesquisas de opinião dentro do espectro direita e esquerda conforme os manuais escritos e vigentes nas Universidades. Porém, a confusão partidária no Brasil com a existência de mais de 30 partidos reflete os discursos parcialmente compartilhados por diversos grupos sociais.
O Instituto Paracleto está concluindo uma pesquisa sobre os valores culturais dos cariocas. A ideia é verificar como os temas em discussão no Parlamento podem estar emergindo na opinião pública.
Schuler, em meio à guerra cultural, identifica elementos positivos: Se é verdade que a esquerda perdeu a hegemonia cultural, nenhuma outra parece ter entrado em seu lugar. O jogo ficou apenas mais equilibrado. O debate é mais agudo, mas há mais liberdade. Indivíduos têm mais poder de expressar opiniões e formar suas próprias redes de influência. Não há dúvida de que isso incomoda muita gente. Pior foi o tempo em que um universo restrito de intelectuais, em geral com opiniões coincidentes, comandava o debate público.
Há, por certo, a disseminação de um certo moralismo comportamental nas redes sociais. Em parte, é uma expressão popular, em um país em que 51% da população jovem considera moralmente errado (e não apenas mau gosto) assistir a um filme pornográfico. Em parte, expressa o crescimento dos cultos evangélicos. Em 20 anos, o número de evangélicos, no Brasil, saltou de 10% para quase 23% da população. É simplesmente um direito dessas pessoas expressar sua opinião. E elas o farão.