Em um estudo publicado em fevereiro de 2013, cientistas revelaram os dados da primeira mensuração ampla e publicamente disponível de recursos hidrológicos na área. Em um período de sete anos, começando em 2003, partes da Turquia, Síria, Iraque e Irã perderem 144 quilômetros cúbicos – quase o equivalente a toda a água no Mar Morto. Cerca de 60% desta perda se deveu ao bombeamento excessivo do solo. Enquanto isso, a necessidade do recurso na região cresce com o explosivo crescimento populacional.
Além disso, as mensurações feitas por satélite indicam que um quinto das perdas observadas ocorreu da seca do solo e da diminuição da neve, em parte como resposta à grande seca de 2007. Perdas de água de lagos e reservatórios responderam por outro quinto do esgotamento.
Agora, a União Geofísica Americana publica um estudo na NASA segundo o qual a região perdeu água suficiente para as necessidades de 100 milhões de pessoas. A área tem há tempos sérias disputas em torno do recurso, envolvendo Israel, Jordânia, Autoridade Palestina, Egito, Sudão, Iraque, Irã, Síria, Turquia e Iêmen, e elas estão se tornando mais sérias.
No território que vai da Líbia até Iraque e Iêmen, muitas pessoas e muitos animais utilizam o recurso da água além de seus limites. Alguns países onde a insurgência é maior, como Síria ou Iêmen, são os menos equipados para evitar uma grave crise.
A Jordânia, sempre com escassez de água, está sufocada pela avalanche de refugiados da Síria. O Iraque, que no passado teve recursos mais do que suficientes, perdeu reservas fundamentais devido à guerra e às represas que a Turquia construiu nos rios Tigre e Eufrates. O Egito, com os seus 86 milhões de habitantes, tem uma população duas vezes maior do que há 50 anos, mas sem recursos de água adicionais.
A isolada Faixa de Gaza lida com uma crise hídrica há anos. E as escassas reservas do Iêmen são absorvidas pela produção descontrolada de kat (Catha edulis), um cultivo especial da zona tropical africana e arábica que consome muita água e possui valor nutricional nulo. Mastigar a folha ligeiramente narcótica de kat é o passatempo nacional no Iêmen. “Se tiverem mais água, cultivarão mais kat”, lamentou um participante da conferência.
Thomas Friedman, colunista do New York Times, escreveu que é impossível entender o que acontece no país neste momento (uma guerra civil que já dura três anos e deixou mais de 130 mil mortos, além de milhões de refugiados) sem saber que, entre 2006 e 2010, o país experimentou a pior seca de sua história moderna. Durantes três anos e meio, os dirigentes não ajudaram os afetados pela falta de água no Norte da Síria. A conclusão é a de que o presidente sírio, Bashar al-Assad, brincou com fogo ao menosprezar a capacidade de indignação dos refugiados climáticos da região.
— Um milhão de pastores e agricultores foram obrigados a deixar suas casas e mudar para Aleppo, Homs, Hama e Damasco. E o governo sírio não fez nada por eles — lembra Friedman. — Quando a revolução estourou na Tunísia e começou a se aproximar da Síria, eles estavam prontos para se juntar aos rebeldes. Você tinha um milhão de refugiados climáticos no Norte da Síria, estressados e desesperados, e Assad não fez nada por nenhum deles.
Um estudo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, mostra a relação entre a escassez de água e guerra. Analisando o fenômeno El Niño, que em ciclos de três a sete anos provoca aumento na temperatura e diminuição no volume de chuvas, os pesquisadores descobriram que, nos 90 países tropicais afetados pelo fenômeno climático entre 1950 e 2004, o risco de uma guerra civil dobrou, passando de 3% para 6%. Algumas guerras já foram iniciadas por causa da água na história. Conheça algumas delas:
Suméria (atual Iraque/Kuwait) – 2.500 a.C – a primeira guerra que se tem conhecimento que teria sido causada por água aconteceu às margens do Rio Eufrates, região onde fica o atual Iraque. Acredita-se que o rei da cidade- Estado de Lagash, tenha desviado o curso do rio e deixado outra cidade, chamada Umma, sem água, o que teria gerado uma disputa entre as cidades pelo mineral vindo do rio.
Tibet – 1950 – em 1950, a China invadiu o Tibet, e, acredita-se que um dos incentivos tenha sido o controle das águas das geleiras do Himalaia. Ainda hoje, projetos para desvio de rios na região geram tensão entre populações locais.
Sudão, 1963 – até os dias de hoje A falta de água foi um dos fatores que impulsionaram o conflito que já matou milhões de pessoas na guerra civil entre Sudão e Sudão do Sul. Os pesquisadores da Universidade apontaram a água como um dos principais motivos, estando entre motivações políticas, econômicas e sociais.
Turquia – 1998 e 2003 – não foi exatamente uma guerra, mas acredita-se que em 2003 houve uma disputa de bastidores entre forças americanas, curdos e turcos com relação à água do rio Tigres e Eufrates, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. Em 1998, a Síria e a Turquia também teriam passado por forte tensão pelo mesmo motivo.
Estados Unidos, 1994 até os dias atuais – há 20 anos os estados do Alabama, Flórida e Geórgia, nos Estados Unidos, disputam os direitos pelas águas que abastecem a região. Já se fala em guerra de água, especialmente depois de 2007, quando uma seca intensificou a tensão.
Países da Ásia e a “possível guerra” – A crescente competição pela água pode provocar um conflito em países da região do Pacífico, na Ásia. Alguns líderes regionais já declararam a possibilidade de uma guerra pelas fontes, já que os países passam por uma urbanização vertiginosa, e ainda crescente, juntamente com mudanças climáticas e a poluição. Uma empresa do país está por trás da construção de uma polêmica represa no Rio Mekong, um projeto criticado por dois países afetados, Vietnã e Camboja, que temem os efeitos sobre suas indústria agrícola e pesqueira. Os delegados aprovaram a “Declaração de Chiang Mai”, na qual defendem a construção de uma resistência regional para prevenir os desastres naturais, compartilhar os conhecimentos técnicos na gestão dos recursos e colocar a segurança hídrica como destaque na agenda.
Para Brahma Chellaney, autor de Water, Peace and War: Confronting the Global Water Crisis, a água cria instabilidade de maneiras surpreendentes e mesmo que, até o momento, as guerras modernas ainda não tenham sido travadas pela água em si, o elemento foi um fato decisivo em muitas delas. Como exemplo, Chellaney cita que a água foi uma das fagulhas que incendiou, ironicamente, a Primavera Árabe – uma vez que a crise que elevou o preço dos alimentos alguns anos antes foi causada pela escassez de água potável. Outro caso é exemplificado numa espécie de “teoria do caos”: a falta de terras com recurso hídricos fez a empresa Daewoo, da Coreia do Sul, impulsionar a queda do presidente da distante ilha de Madagascar, na África, em 2009.
Confira abaixo três dos conflitos mais famosos que tiveram a água como grande “incendiário”:
Bolívia: até mesmo a chuva
Em 2000, na cidade de Cochabamba, ocorreu a privatização da água e do já precário sistema de abastecimento e redes de esgoto, que ficou a cargo da Aguas del Tunari, um consórcio criado com capitais estrangeiros. Da noite para o dia, a população com cerca de 700 mil habitantes aumentou as tarifas em até 300% sem que houvesse sequer melhora nos serviços ou ampliação da área de cobertura para as zonas mais pobres.
Quando, de uma hora para a outra, a água, que assim como o ar deveria ser considerado um bem comum, se transformou em uma mercadoria cara ou simplesmente inacessível para a pobre população, as pessoas foram proibidas inclusive de coletar a água da chuva, não tendo outra escolha a não ser irem para as ruas protestarem. Após dias de conflito das forças armadas bolivianas lutando contra os próprios bolivianos em nome dos lucros de uma empresa estrangeira, um jovem de 17 anos morreu com um tiro de sniper do exército boliviano. O presidente Hugo Banzer cedeu à pressão popular e anulou o contrato de concessão, retornando à prefeitura de Cochabamba o controle da água e a infame lei 2029, que previa a privatização de toda a água da Bolívia, caiu.
China e Tibete: água é controle
Em uma reportagem sobre os problemas de escassez de água, a revista The Economist apontou que palavra chinesa para “política” (zhenghzi) tem um de seus caracteres similar a uma imagem parecida com gotas de água próximas a uma plataforma ou barragem. A sugestão do parágrafo inicial do texto, de que para os chineses a política e o controle de água são equivalentes, é justificável: como Maquiavel e da Vinci almejaram em Florença 500 anos atrás, a China tem em suas mãos o destino da população de seus vizinhos, pois os principais rios da Ásia (Mekong e Ganges) nascem na terra de Dalai Lama.
Esse é um dos maiores motivos pelo qual o exército chinês entrou e se instalou no Tibete há mais de 50 anos. Não foi exatamente por morrer de amores pelos monges budistas da região, mas sim por esta se tratar de um ponto estratégico geograficamente. Myanmar, Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã, Bangladesh e, principalmente, Índia, são todos países que dependem dos rios que descem as geleiras do Himalaia e desafogam suas águas no Oceano Índico.
Oriente Médio: a guerra dos seis dias que dura 50 anos
Quando a Síria anunciou seu plano de obstruir um dos afluentes do Rio Jordão e desviá-lo para irrigar suas plantações, foi dado o primeiro passo para os seis dias de junho de 1967 que colocariam Israel contra a Síria, Egito e Jordânia, naquilo que ficou conhecido como a Guerra dos Seis Dias.
No momento em que o último tiro foi dado, o Egito tinha a Faixa de Gaza e o deserto do Sinai; a Síria ficou sem as colinas de Golã – onde nascem afluentes do rio Jordão, vital para o abastecimento de água em Israel; e a Jordânia, que só entrou na guerra na última hora, perdendo tudo o que anexara em 1948. Israel ocupou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental e foi o grande vencedor da guerra-relâmpago.
E o futuro?
Cada vez mais estudos apontam que a escassez de água potável levará, invariavelmente, que países entrem em conflito – diplomático ou armado – por regiões abundantes de recursos hídricos. Veja no mapa abaixo, os “pontos quentes” que poderão vivenciar guerras pela água no futuro.