Um certo Chatenoud, funcionário do laboratório de Gillard Monnet e Cartier (mais tarde, SCUR – Société Chimique des Usines du Rhône, matriz da Rhodia brasileira), em La Plaine, na França, fez uma mistura acidental de cloreto de etila e violeta sintética, que lhe sugeriu a idéia de utilizar o produto resultante nas ampolas de Kelene. No início, não se acreditava muito no êxito da descoberta acidental, mas, por via das dúvidas, a SCUR depositou a patente de um produto com a marca “Rodo” – a palavra odor ao contrário. O ceticismo tinha razão de ser: apresentado ao mundo na Exposição Universal de Genebra, em 1897, o lança-perfume fracassou.

Foi aí que o Brasil entrou na história. Um brasileiro que passou pela exposição percebeu logo que no seu País aquela novidade faria o maior sucesso no Carnaval – e não deu outra. Em apenas um ano – 1909 -, 630 mil unidades de lança-perfume eram exportadas para o Brasil. O Periódico THE JOURNAL OF INDUSTRIAL AND ENGINEERING CHEMISTRY, de setembro de 1918, avaliou a importação de produtos químicos da América do Sul, especialmente o Brasil. Em 1913 foram gastos U$ 400 mil de “lança-perfumes”.

Carnaval 1913

Em 1911 foram consumidas no Brasil 300 libras do produto e só a Rodo-Suíça para aqui exportara a elevada quantia de 4.500 contos de réis ! Tal mercado veio a despertar a atenção daquela empresa, que logo enviou ao Brasil um seu representante, Sr. J. A. Perretin, a fim de assistir às festas do carnaval do Rio de Janeiro daquele ano. Em entrevista à Gazeta de Notícias, transcrita parcialmente por Eneida, o Sr. Perretin declarou: “Um povo que faz um carnaval como este é o povo mais alegre do mundo”. Para se ter uma idéia da quantia despendida, em 1911 foi concluído o Teatro municipal de São Paulo pela quantia total de 4.500 contos de réis, o dobro do orçado.

A Rhodia começou a se instalar no Brasil em 19 de dezembro de 1919, na sede do consulado brasileiro em Paris, na França, com a constituição da Companhia Química Rhodia Brasileira. O objetivo era construir uma fábrica para produção do lança-perfume, que a empresa havia lançado mundialmente no final do século 19 e que fez sucesso enorme ao ser comercializado no Brasil, no carnaval de 1907. O nome Rhodia tem origem em Rhône (Ródano, em português), que era o endereço telegráfico das Usines du Rhône na França e na Suíça. A construção da primeira fábrica da Rhodia, para a produção de lança-perfume, teve início em fevereiro de 1920, em um terreno entre o rio Tamanduateí e a estrada de ferro ligando o porto de Santos a Jundiaí (SP), hoje município de Santo André. A produção efetiva começou em 1921, com as primeiras linhas de cloreto de etila, éter e ácido acético.

Carnaval lança-perfumeO que era brinquedo romântico, inofensivo e barato, passou a ter outra destinação. Segundo denúncia da imprensa carioca, no carnaval de 1928, o conteúdo do lança-perfume passou a ter objetivos outros: “… o éter fantasiado de lança-perfume é sorvido com escândalo pelo carnaval. No vício legalizado, o Brasil consome quarenta toneladas do terrível entorpecente. Essa quantidade de anestesia daria para abastecer todos os hospitais do mundo”.

Seu uso no Brasil se deu no início da década de vinte, no carnaval do Rio de Janeiro, no qual era borrifado nos foliões, perfumando-os e fornecendo sensações agradáveis. Aparentemente uma diversão inofensiva, seus efeitos adversos e conseqüências mais sérias fizeram com que, mais tarde, o presidente Jânio Quadros decretasse a proibição de seu uso em nosso país em 1961. Grande estrago havia sido feito nas gerações passadas.

Entretanto, o lança-perfume continuou sendo utilizado nos anos e décadas seguintes, de forma relativamente acessível, já que é contrabandeado do Paraguai e Argentina: locais estes onde sua fabricação não é proibida. É o que o Phillip Bobbitt chama de fim da Nação-Estado e a emergência das Nações-Mercado. Em um mundo globalizado, as decisões são ditadas pelos mercados envolvidos derrubando as fronteiras das nações existentes. Como impedir a influência de países andinos e Uruguai onde a cocaína é consumida livremente? Apenas com fundamentos firmes uma sociedade pode preservar seus valores mais caros, sua herança cultural e sua economia básica.