A Constituição da Turquia garante liberdade religiosa e, parece que o governo está mudando seu discurso de modo progressivo. Ainda que o proselitismo seja legal no país, muçulmanos, cristãos e baha’is enfrentam algumas restrições e prisões ocasionais sob a acusação de praticá-lo ou de praticar reuniões não autorizadas.
Respeitar a liberdade religiosa dos não muçulmanos é essencial para a concretização da expectativa da Turquia em participar da União Europeia. Portanto, a reforma de leis contra igrejas cristãs tem sido facilitada e o preconceito antiocidental, retirado de textos didáticos das escolas. A atual liderança do partido Justiça e Desenvolvimento (AK) chegou até a restaurar uma antiga Igreja armênia no leste da Turquia, ignorando as objeções dos seus membros mais religiosos.
O islamita Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) chegou ao poder em 2002 em uma Turquia exausta por uma crise financeira e pela instabilidade política gerada após as intervenções dos militares na vida pública. Em dez anos, seu governo conseguiu multiplicar por três a renda per capita graças a um crescimento que superou os 8% em 2010 e 2011, generalizou o acesso à educação e à saúde e relegou o exército aos quartéis.
Mas também aumentou o papel da religião no espaço público, diante da inquietação dos defensores da República laica. O véu islâmico foi autorizado em algumas universidades. O pianista Fazil Say foi condenado por blasfêmia por uma série de twittes nos quais ironizava a religião muçulmana. O governo votou uma lei que proíbe a venda de álcool perto das mesquitas e das escolas. A lista é longa, sem contar com as tentativas de limitar o direito ao aborto ou proibir o adultério.
O Estado laico na Turquia foi o principal legado do fundador da República turca, Mustafá Kemal Attatürk, herói da I Guerra Mundial ainda como dirigente militar do Exército otomano derrotado. Posteriormente, lideraria o movimento de independência da Turquia em sucessivas guerras contra os vencedores do conflito, a última delas contra a Grécia. Primeiro presidente da Turquia, Attatürk — tão endeusado até hoje que nenhum cidadão do país pode receber como sobrenome o que também lhe foi atribuído por lei e significa “Pai dos Turcos” — separou Igreja do Estado, instituiu o alfabeto ocidental como obrigatório e iniciou um amplo programa de reformas e modernização do país, além de aproximá-lo do Ocidente.
Muitos manifestantes de Ancara ou Istambul e de outras cidades do país expressaram seu descontentamento diante de um poder que, segundo eles, quer lhes impor uma forma de viver. A esquerda e a extrema-esquerda também denunciaram a repressão exercida pelas autoridades, sob o pretexto da luta contra o terrorismo, com milhares de pessoas detidas. A polêmica aumentou pela grande intervenção urbanística em andamento.
Todos acusam um poder cada vez mais autoritário, amparado por seus êxitos eleitorais. Diante de uma oposição totalmente superada, o partido de Erdogan venceu as eleições gerais de 2007 e 2011 com 47% e 50% dos votos, respectivamente. Obrigado pelas normas do AKP a renunciar à chefia do governo em 2015, Erdogan não esconde sua ambição de aspirar no próximo ano ao cargo de presidente, que será eleito pela primeira vez mediante voto universal. Seus adversários já se referem a ele como um “novo sultão” e comentam sobre os faraônicos projetos lançados nos últimos meses para Istambul, como uma terceira ponte sobre o Bósforo ou o futuro aeroporto gigante da cidade.
Quanto à opinião pública turca, uma recente sondagem do instituto MetroPOLL, citada na edição inglesa do diário turco Zaman, revela que
os turcos mostram-se cada vez mais preocupados com as medidas de força tomadas pelo Governo em democracia e reconhecem que há uma interferência cada vez mais notória no seu estilo de vida. […] Um em cada dois respondentes (49,9%) considera que o Governo se encaminha para um estilo de governação autoritária e repressiva, contra 36% que consideram que o Governo progride para a via da democratização. […] Em relação aos protestos do Parque Gezi, esta sondagem revela que a opinião pública turca atribui a escalada de manifestações ao Governo, em geral, e ao primeiro-ministro, em particular.
Parece que a estratégia de poder usada nos países em desenvolvimento é criar um caos partidário para controlar os acordos políticos.