O máximo que a teoria do bóson de Higgs faz é confirmar o que a Bíblia sempre disse: que o que é visível veio a partir do que é invisível (Hb 11.3: “Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem”). Enfim, eles gastaram 18 bilhões de reais para tentar achar a resposta para a pergunta: “de onde vem a matéria?”
No blog Gleanings, da revista Christianity Today, Sarah Bailey aborda mais a questão do apelido que a descoberta em si. Ela entrevistou alguns cientistas, que afirmaram detestar o termo “partícula de Deus”, ainda que em público não sejam tão enfáticos a respeito disso, até porque, queiram ou não, o apelido popularizou a busca pelo bóson a ponto de muito mais pessoas estarem informadas a respeito dele do que ocorreria em outras circunstâncias, e tudo que ajude a popularizar a ciência é bem-vindo.
A constatação do bóson de Higgs, pouca relação tem com algum argumento para a não-existência de Deus, uma vez que tal partícula foi originada pós-existência do Universo, de tal maneira que está longe de explicar os eventos que precederam a criação do mesmo, onde Deus é então postulado a partir de argumentos cosmológicos. Assim como o Universo em si, o Campo e o bóson de Higgs se enquadram na categoria de seres contingentes, já que não são eternos, mas sim, passaram a existir após o Big Bang. A diferença é que estes, segundo a teoria do modelo padrão, tornaram possível a sustentação de todo o restante da matéria, e talvez seja esta característica, de certa forma, divina, uma das razões para que tenham escolhido o apelido de “partícula Deus” ao bóson de Higgs, em função do nome não tão apropriado (“Goddamn particle” ou “Partícula maldita“) que Lederman havia sugerido inicialmente.
Mas o autor anônimo de um texto publicado no site uCatholic.com é mais crítico em relação ao termo “partícula de Deus”. Para ele, trata-se de um “sensacionalismo que presta um desserviço tanto a esses brilhantes físicos quanto aos crentes”. Eu tenho lá minhas dúvidas quanto a isso. O autor fala de ateus militantes trombeteando por aí que a descoberta derruba a noção judaico-cristã da divindade, ou mostra que Deus não tem nada a ver com a criação. É verdade que isso ocorreu, basta ir ao Facebook. Mas isso não é culpa do apelido; esse tipo de ignorância apareceria ainda que o bóson de Higgs tivesse apenas um nome insosso.
O autor do texto lembra que o bóson não tem absolutamente nada a ver com a existência ou inexistência de Deus, e é verdade; que os cientistas não gostam do apelido (o que só reforça o post de Sarah Bailey); e que, para os católicos, fé e razão andam sempre juntas. Tudo isso é correto, mas acho que o autor está fazendo meio que tempestade em copo d’água com a questão do apelido, como se ele realmente carregasse um conteúdo teológico em vez de ser o que realmente é, um belo golpe de marketing (o frade Guy Consolmagno, do Observatório Vaticano, captou melhor o espírito da coisa). De qualquer maneira, o fim do texto é digno de menção: “Por uma perspectiva religiosa, sua descoberta [do bóson] nos permite conhecer mais sobre a fecundidade e a mente criativa de Deus. Então, quando você ouvir o termo ‘partícula de Deus’, não pense que ela tem qualquer implicação religiosa sobre a existência de Deus.”
No Huffington Post, Philip Clayton comentou como é que, das primeiras reações puramente científicas à descoberta, a coisa degringolou para o uso ideológico do anúncio da existência do bóson de Higgs. O texto é bem interessante, tem até um passo a passo de como a confusão se instala. O problema não são os cientistas do Cern, afirma Clayton; o problema são os defensores e os detratores da religião, que pensam poder usar o anúncio de quarta-feira para seus próprios propósitos, acrescenta.
Um desses “encrenqueiros” é Peter Atkins, que na BBC afirmou que “o bóson de Higgs é outro prego no caixão da religião” e que a ciência estava fazendo mais progresso que a religião para explicar o mundo. Uma mulher não identificada que participa da discussão rebate, dizendo que a religião não está exatamente tentando descobrir como as partículas adquirem massa, então a comparação não procede. E Atkins não explica (talvez pelo pouco tempo disponível) como é que a descoberta de uma partícula que é observada depois do momento do Big Bang vai dizer algo sobre a criação em si ou a necessidade de um criador.
Também no rádio, Rodney Holder, do Instituto Faraday para a Ciência e Religião*, da Universidade de Cambridge, cita o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer, para quem Deus está presente nas coisas que sabemos, e não nas coisas que ignoramos, para afirmar que a descoberta do bóson de Higgs nos faz entender mais (e não menos) sobre Deus. Holder diz que, no fundo, no fundo, toda partícula é “de Deus” por refletir Sua criatividade, e o trabalho dos cientistas do Cern tem o efeito de nos fazer conhecer mais e mais sobre a riqueza da criação.