O período sabático ainda é um luxo para pouquíssimos, nas empresas brasileiras. É o que mostra uma pesquisa da consultoria Robert Half, feita com exclusividade para o Boa Chance. O estudo revela que 73% das empresas não oferecem essa oportunidade de licença aos funcionários, mesmo aos de alto escalão. Apenas 8,4% dos entrevistados responderam que suas empresas oferecem período sabático, enquanto que 18,2% sequer sabem. A pesquisa foi feita com cerca de 900 pessoas, que ocupam altos cargos em empresas de médio e grande porte: 71,5% dos entrevistados são gerentes, diretores, supervisores, coordenadores, diretores, superintendentes e até presidentes das companhias.

Apesar disso, 70% dos entrevistados dizem que concederiam o benefício (no mínimo, seis meses) a membros de sua equipe e 86% gostariam de desfrutá-lo. Setenta e três por cento dos entrevistados consideram a oportunidade de qualificação profissional como a maior vantagem do período sabático, enquanto 57,1% acreditam ser uma desvantagem o risco de perder o cargo.

Segundo William Monteath, diretor de operações da Robert Half no Rio de Janeiro, o resultado do estudo mostra que a cultura do período sabático, embora já seja badalada há mais de dez anos no Brasil, ainda não está sedimentada nas empresas do país.

— Esta prática não é muito difundida por aqui e, infelizmente, pouca evolução se viu em relação a isso. Existe muita insegurança do próprio profissional de tirar esse período, porque fica com medo de perder seu cargo, de ser visto como pouco comprometido ou ficar, de alguma forma, defasado em relação aos colegas — diz Monteath.

Monteath explica que no Brasil, como em outros países da América Latina, há uma grande preocupação com o prejuízo à produtividade da empresa e com a limitação de recursos das equipes. Daí a resistência a conceder um período de licença para as pessoas se desenvolverem profissionalmente. Ele diz que nos Estados Unidos e na Europa, que são mercados mais maduros, a visão é de longo prazo, enquanto no Brasil, ainda é de curto.

— Uma resposta de um entrevistado na pesquisa, que achei muito bacana, foi ‘restringir (a concessão de período sabático) é o mesmo que perder o funcionário’. Esta é uma visão mais aberta, que mostra o que essa prática tem de ser: uma parceria — comenta o diretor da Robert Half.

Foi um termo hebraico, “shabat”, que significa repouso, parada e descanso, que deu origem ao conceito de período sabático. É o dia de recolhimento semanal dos judeus, que acontece no sábado; é o dia de recolhimento semanal dos muçulmanos, que acontece na sexta-feira; é o dia de recolhimento semanal dos cristãos, que acontece no domingo.

As discussões sobre este assunto surgiram por volta dos anos 1900 d.C., quando as universidades importaram este termo para designar um período de aprofundamento e de reflexão de um estudioso que precisava se aprofundar em sua tese ou reciclar seu conteúdo. Cerca de 100 anos mais tarde, entre 1960 e 1970 o mundo corporativo começou a importar este conceito para conotar um prêmio pelo tempo por serviços prestados.

Mais recentemente, nos últimos 20 anos, surgiu o conceito mais moderno de período sabático. “Em síntese, significa um tempo em que as pessoas saem de seu cotidiano para exercerem uma vocação para terem experiências diferentes daquelas que já viveram. Pode ser dois, três meses ou até três anos, depende da pessoa que se dispõe a fazê-lo. E isso tem o intuito de crescimento, de potencialização e poder vivenciar uma nova experiência”, explica Herbert Steinberg, autor do livro “Sabático, Um Tempo para Crescer”, editado pela Editora Gente. Hoje, o executivo é presidente da Mesa Corporate Governance, empresa que presta consultoria em governança corporativa e desenvolvimento humano.

De acordo com o executivo, muitas empresas, em geral, de serviços, de geração de conteúdo, editoras, escolas, empresas formuladoras de patentes e pesquisadores, já começaram a perceber a relevância de permitir que seus funcionários tenham esse período de folga. “Elas necessitam gerar repertório e conteúdos originais. Esses profissionais precisam de tempo para se reciclar e viver novas experiências. As organizações precisam que eles se mantenham criativos. Além disso, para elas, isso significa desenvolvimento e tem um viés de retenção de talentos”, aponta Herbert.

Para Dieter Kelber, diretor-executivo do Insadi, Instituto avançado de desenvolvimento intelectual, nada justifica não fazermos esta autoanálise. “Afinal, fazer testes de personalidade dentro das organizações é prática bastante comum. Mas, nunca fazemos esses testes para nos autoconhecermos”, indaga. Para ele, o objetivo principal desses momentos de reclusão deve ser o autoconhecimento. “A finalidade é saber se a pessoa se conhece. Tudo deve começar por aí. Para isso, é preciso refletir a vida por completo, pois é impossível dissociar a vida pessoal da profissional”, analisa.

Apesar de antigo, o conceito de período sabático é carregado de diversos enganos. “Muitos executivos, palestrantes e headhunters usam esse termo para designar indevidamente um período de estudo fora, como MBA. Isso é usado para explicar a ausência de atividade profissional ou até mesmo férias prolongadas”, esclarece Herbert. Portanto, tempo ocioso ou descanso não devem ser confundidos com o sabático.

Outra característica importante é que este tempo deve ser planejado. Para isso, o interessado deve ter um claro objetivo, planejar como vai atingi-lo, como será executado o plano, qual o tempo e os recursos necessários e também como será a sua volta. “Todas as pessoas de seu relacionamento também devem ser comunicadas sobre sua decisão e seus reais motivos. Para isso é preciso explicar os mínimos detalhes e deixar claro o que está por trás desta decisão”, aponta o autor. Para Herbert, comece fazendo este exercício com seus familiares e amigos. Por último, converse sobre este assunto no trabalho.

Mas e se nessa conversa a empresa não gostar da ideia desse período? Para Herbert, a opinião da empresa em nada alterará a decisão da pessoa em fazer esta pausa. “A empresa até pode oferecer licença remunerada, mas isso vai da negociação. Na verdade, o que é comum a todos, é que quando decidem fazer, nada mais os impede”, aponta. No momento da conversa com a corporação, o importante é deixar claro que não é uma ruptura, vale inclusive negociar a sua volta. “Mas dê tempo para a empresa se organizar, não fale em cima da hora”, acrescenta.

Outras características

Outro engano muito comum é associar o período sabático a pessoas deprimidas e infelizes. Muitos até acreditam que essa ausência signifique uma fuga de seus problemas. “A distância não elimina seus problemas. Para isso, você deve mexer nas causas. Deve procurar entender por que determinadas situações se refletem em mim como problema. É o trabalho que é meu problema ou sou eu? Qual o problema afinal?”, questiona Dieter.

“Não é um capricho exótico de pessoas de meia idade, embora a média de idade seja essa”, ilustra Herbert. Ele ressalta que são pessoas que já cumpriram um pedaço de vida, têm uma sólida carreira, têm sucesso no que fazem e querem repensar e aprofundar sua relação com o trabalho, encontrar o significado da vida e do que fazem. “É um momento em que a pessoa se sente plena, segura e apta a exercer um tipo de experiência que ao se reencontrar consigo, cria oportunidade de crescimento”, continua.

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