FOLHA _ Um grupo cada vez maior de economistas e estudiosos da globalização está prevendo o declínio do poder americano e o decorrente vácuo na governança global. O último a se juntar ao coro dos “declinistas”, como eles vêm sendo chamados, é o economista Nouriel Roubini. Roubini, professor da Universidade de Nova York (com quem eu tive aulas espetaculares em 2001), ficou conhecido como Dr. Doom, por seu habitual pessimismo e por ter previsto a crise mundial de 2008. Desta vez, Roubini, que além de bom professor é ótimo de marketing, saiu com um artigo na Foreign Affairs sobre o “Mundo G-Zero”, em parceria com Ian Bremmer, mandachuva da consultoria Eurasia Group. Que G20, que nada. “Em vez de ser um fórum para conciliação, o G20 provavelmente será uma arena para conflitos”, dizem Roubini e Bremmer no artigo. Os países reunidos no grupo dos 20 tiveram um raro momento de convergência de ideias no pico da crise financeira. Naquelas primeiras reuniões, em Washington, em novembro de 2008, e Londres, em abril de 2009, os países coordenaram seus programas de estímulo fiscal e monetário para tirar suas economias da crise, aumentaram o funding do FMI e concordaram com novas regras para as instituições financeiras. Mas passada a emergência da crise, os G-20 não conseguem mais se entender. Brigam por causa da revalorização do yuan, do afrouxamento monetário dos Estrados Unidos, medidas antidumping. “Após a crise financeira, os EUA não são mais os líderes da economia mundial, e nenhum outro país tem a alavancagem política ou econômica para substituí-los.” E além disso, “nenhum país ou bloco de países tem a vontade ou qualificação para conduzir uma agenda verdadeiramente internacional.”

Os Estados Unidos não têm mais o cacife financeiro ou militar para se manter como os provedores de governança global de última instância, os garantidores da estabilidade necessária para que o comércio mundial transcorra sem sobressaltos, etc. E quem entra no lugar? A China não tem vontade de assumir esse abacaxi. União Europeia tem um abacaxi interno gigante para descascar antes de se preocupar com o mundo que a rodeia. E o Japão está entrando na terceira década de sua “década perdida”. Daí o vácuo. Gideon Rachman, principal colunista de política externa do Financial Times, diz a mesma coisa (de forma bem mais completa e profunda) no livro que lançou em novembro na Inglaterra, e que saiu este mês nos EUA: “Mundo Soma Zero – Pode e Política depois da Quebra”. Para Rachman, ficou para trás a ideia de que a globalização pode ser um jogo de ganha-ganha, que unidos os países podem implementar medidas que beneficiam a todos. Agora, predomina um jogo de soma-zero – o ganho de um é a perda de outro. A China usa políticas mercantilistas de manter sua moeda desvalorizada para garantir a saúde de seu setor exportador, mas isso prejudica vários outros países. Estados Unidos e China não querem ceder nas negociações sobre mudança climáticas, acham que o ganho de um será a perda de outro.

Outros analistas abordaram o propalado “declinismo” recentemente. Em seu livro “A Superpotência Frugal”, de 2010, Michael Mandelbaum, professor da Johns Hopkins University e guru do colunista Thomas Friedman, parte do mesmo pressuposto de que os EUA não têm mais condições de ser a única superpotência global, fiadora da estabilidade do mundo. Para Mandelbaum, o mundo com menos Estados Unidos será um mundo pior, porque ninguém irá assumir o comando – e várias áreas podem dar problemas sem um policial global, como o Irã, Oriente Médio, comércio mundial. Antes dele, Andrew Bacevich, um dos primeiros Obamacons –os conservadores que aderiram a Obama– também mergulhou no tema em seu livro “Limites do poder, o fim do excepcionalismo americano”, de 2008.Bacevich também fala da liderança americana em tempo de vacas magras. Agora, resta ver se todos esses declinistas estão certos. Parafraseando o escritor americano Mark Twain, as notícias sobre a morte dos Estados Unidos são bastante exageradas. Já ouvimos a mesma história com a Rússia na Guerra Fria e o Japão nos anos 80. E os EUA se provaram resilientes. Mas ainda que a potência desafie as previsões dos catastrofistas e recobre seu vigor econômico, terá de se acostumar a dividir o palco geopolítico com outras potências. A fase de monólogo certamente chegou ao fim.